Foi durante a conferência da empresa com a reputação de “corporação mais maligna e capitalista” da indústria de games, que conhecemos o desenvolvedor Martin Sahlin. Ele subiu ao palco nervoso, mas que ao mesmo tempo estava espumando felicidade.
Ele começa seu discurso sobre um game baseado em emoções, nas relações com as pessoas que passam por nossa vida e sobre como nossa ligação com elas permanece, mesmo quando elas se vão.
Então, com as mãos tremendo, Sahlin tira de seu casaco um bonequinho de lã vermelha. “Yarny”, como foi batizado, é o protagonista da história e representa o amor e os laços que fazemos. De forma honesta — e menos piegas do que minha descrição faz parecer —, o bonequinho de lã vai se desenrolando por onde anda, deixando sempre um pouco de si enquanto passa pelo caminho, tornando-se uma alegoria ambulante.
De repente, a conferência da Electronic Arts parece ganhar calor e a plateia, de forma generalizada, se comove. Sahlin explica que teve a ideia para o jogo enquanto estava de férias com a família. Na ocasião, sem ter acesso a muitas ferramentas para desenvolver sua ideia, ele teceu um bonequinho de lã sobre uma estrutura de arame e e passou a usá-lo para criar conceitos de gameplay, tirando fotos dele em várias situações. Assim nascia Unravel — que em português significa “desfiar”.
Unravel gerou uma euforia enorme desde seu anúncio, e não foi diferente quando foi oficialmente lançado. Recentemente o jogo se encontra disponível no Vault do EA Access. O game pode parecer hype de fãs, mas não é. A simples forma que seu gameplay contrasta com seus belos cenários fotorrealistas e progride em complexidade com o caminhar do personagem já nos mostra o tamanho carinho com seu desenvolvimento. É um título que parece ter um valor razoável de produção. Misturando plataforma e puzzle, o jogo pede que o bonequinho use sua lã para se pendurar em lugares, criar trampolins e arrastar coisas.
A mecânica do jogo bastante simples. Yarny deixa para trás um rastro de lã vermelha enquanto vai se desfazendo. Por isso, ele precisa encontrar pedaços de novelos espalhados pelo caminho para continuar em seu caminho. É esta lã que se torna fundamental para os puzzles que estão espalhados ao longo cada um dos 12 níveis do jogo.
O R2 é usado para arremessar um laço de lã em determinados pontos onde ele pode se agarrar. Estes pontos permitem que você balance de ponto a ponto ou agarre itens distantes. O L2, por outro lado, permite-lhe recuperar o comprimento de lã você deixou para trás, o que ajuda e muito se você quiser refazer seus passos ou descer com segurança, a partir de um ponto alto.
Outra característica importante é que Yharny pode criar catapultas fixando nós de sua lã em dois pontos. Além de servir como plataforma para arrastar objetos, essas catapultas arremessam nosso amiguinho para o alto, possibilitando atravessar obstáculos e atingir pontos mais altos do cenário. Você também pode usar desfazer esses nós para retornar a um ponto anterior rapidamente e facilmente.
Estes comandos simples são todos baseados pela física, portanto antes de sair por aí se pendurando, é preciso ter certeza de que haverá lã suficiente para alcançar a próxima área. A cada checkpoint Yharny reabastece suas fontes de lã e, se depois de tantas tentativas de resolver algum puzzle tudo der errado, basta reiniciar a área segurando para baixo. Yharny vai se sentar e o jogo recomeça do último checkpoint.
Estonteante. É a palavra que melhor define Unravel no quesito. O jogo impressiona logo de início. A cada instante a beleza do jogo salta aos olhos. A utilização de cenários fotorrealistas e os belíssimos efeitos, fazem cada detalhe se apresentar de forma única. O movimento da água, o balançar das folhas, os efeitos da luz do sol entre as árvores, vento, névoa, neve. Tudo é extremamente bem feito. Cuidadosamente detalhado.
Cada cantinho do jogo mostra um exímio cuidado nos detalhes. Inclusive os mais simples, como uma lata de refrigerante no lixo ou um pneu velho. Além de tudo, a forma como esses elementos afetam o cenário e o próprio Yharny, são espetaculares.
Outro trunfo da concepção artística do jogo é sua trilha sonora. Unravel é claramente um jogo sensível e seu pequeno time de desenvolvedores (são apenas 14 pessoas) dizem ter colocado “seu coração” nele. Por isso a música que acompanha a trajetória do pequeno Yarny é suave, emotiva, misturando arranjos de piano, xilofone, violão e orquestra de cordas. O mais importante: é uma trilha que cabe como uma luva em seu gameplay. Todo esse cuidado também pode ser conferido nos efeitos sonoros do game.
De acordo com o próprio Martin Sahlin: – “A música é um dos nossos mais importantes ferramentas de contar histórias, especialmente desde que a história de Unravel é contada sem palavras. Em vez de diálogo ou texto, a música se torna a voz do jogo. Ele define o tom e inspira você a pensar e sentir”.
Belíssimo jogo. A trajetória do pequeno Yharny nos trás uma aventura realmente emocionante. Com gráficos belíssimos, uma ótima jogabilidade, músicas fantásticas e um desafio moderado, Unravel consegue nos levar a uma verdadeira viagem. Talvez o único ponto a se destacar negativamente esteja relacionado com a progressão da dificuldade do game. O jogo mantém um nível de desafio bastante regular mas a dificuldade não aumenta progressivamente. Os puzzles não ficam mais desafiadores conforme avançamos no jogo. Mas com tantas qualidades a serem destacadas, este deslize é apenas um detalhe. Unravel superou as expectativas.
Este é um jogo que é mais importante pelo que representa do que propriamente por suas mecânicas ou seu visual. Muitos o compararam com Pikmin, LittleBigPlanet e Yoshi’s Wooly World, mas eu diria que aqui temos algo diferente. Unravel é um jogo de caráter altamente autoral — algo um pouco escasso hoje em dia —, que surgiu de reflexões, experiências e laços afetivos de seu diretor criativo.
Unravel simboliza as raras vezes em que “gigantescas corporações malignas” dão alguma voz no mercado mundial a pequenos estúdios com ideias bonitas. Unravel é uma metáfora de algo que todos nós vivemos, de nossas relações… Tudo isso traduzido em gameplay. A Coldwood Interactive conseguiu, de forma quase irretocável, nos trazer uma verdadeira obra de arte.
Não perca a oportunidade de viver essa intensa experiência. Esse é obrigatório.
Lembrando aos felizes assinantes do EA Access que o jogo se encontra disponível no Vault hein..