Durante a gamescom 2024 o Xbox levou alguns de seus jogos para essa que é a maior feira de games do mundo. Títulos como Diablo IV, Starfield, World of Warcraft, Fallout deram as caras para mostrar as suas novas atualizações e novidades. E jogos aguardados como Avowed, Call of Duty: Black Ops 6, Towerborne, S.T.A.L.K.E.R 2 e Indiana Jones e o Grande Círculo também deram as caras para anunciar datas e mais trechos de gameplay para o público. O evento que é concebido e idealizado para ser uma grande celebração aos jogos e a comunidade, tinha tudo para ser mais uma bela demonstração de poderio do arsenal de IPs do Xbox. E de fato foi, até certo ponto, visto a quantidade de jogos e a qualidade demonstrada dos mesmos. O problema é como tudo isso foi deixado de lado e até ignorado para dar palco a uma velha e (já cansativa) polêmica de internet.
O motivo disso tudo é bem simples: Indiana Jones e o Grande Círculo, o novo jogo da MachineGames – estúdio pertencente a Microsoft – será lançado no PlayStation 5 no segundo semestre de 2025. Deixando de ser um jogo permanentemente exclusivo de Xbox e PC, conforme era rumorizado e até mencionado em audiência judicial no ano passado, no caso contra a FTC.
Mesmo com os rumores que tem surgido desde dezembro de 2023, a confirmação disso acabou aborrecendo – mais uma vez – uma parcela considerável da comunidade. Que vê através disso e de outros jogos jogos indo para o console da concorrência como uma carta de desistência da Microsoft sobre o mercado de hardwares. Acreditava-se que com as aquisições da Bethesda e Activision poderia haver uma virada de chave na indústria, no mercado de consoles e consequentemente em um extremo fortalecimento ao catálogo do Game Pass. E não é bem isso o que o público está vendo através de decisões como essa.
No início desse ano, em seu canal oficial, os líderes do Xbox – Phil Spencer, Sarah Bond e Matt Booty – realizaram um podcast que tinha como intenção atualizar o público sobre a sua nova estratégia de negócios. Naquela ocasião, foi dito que a indústria de consoles havia estagnado e os estúdios e publicadores tem encontrado dificuldades para atingir um novo público. Foi quando anunciaram que quatro jogos, até então exclusivos, estariam chegando para outras plataformas. Foi dito também, como uma forma de acalmar os rumores fortíssimos e maré negativa da época, que nenhum desses títulos seriam Starfield ou Indiana Jones. Os títulos Sea of Thieves, Hi-Fi Rush, Grounded e Pentiment foram os escolhidos da Microsoft para serem lançados no PlayStation 5 e Nintendo Switch para que, segundo Phil Spencer, pudessem aprender e estudar como isso funcionaria.
Mais tarde, durante o (excelente) Xbox Games Showcase tivemos a confirmação que Doom: The Dark Ages chegaria também ao PlayStation 5. E agora, na gamescom, foi a vez de Indiana Jones.
Ao que tudo indica, a Microsoft gostou do desempenho de seus jogos em outra plataforma – especialmente o Sea of Thieves – e encontrou uma maneira ideal para equilibrar as contas com os títulos que teriam as suas vendas canibalizadas pelo Game Pass. Entretanto, essa medida tem preocupado a comunidade, pois com uma possível desistência e abandono do mercado de consoles, o PlayStation não teria mais um concorrente direto. O que levaria eles a terem conforto e total liberdade para praticar práticas abusivas e anti-consumidor. Além do medo daqueles que, assim como eu, construíram uma longa e extensa biblioteca digital ao longo dos anos. Para onde irão os nossos jogos e todo o legado que construímos em caso de um abandono da Microsoft no mercado de hardware?
Afinal, qual é realmente o plano da Microsoft?
Nós vemos, infelizmente, quase que mensalmente a notícia de que alguma empresa grande está demitindo uma grande leva de funcionários, estúdios sendo fechados e a constante argumentação de que jogos estão ficando mais caros e demorosos para serem feitos. Inclusive, o próprio Phil Spencer disse algumas vezes, mais recentemente para o site Polygon, que a indústria não está crescendo, pelo contrário:
“Vou dizer que o que mais me preocupa no setor é a falta de crescimento. E quando você tem um setor que deve ser menor no próximo ano em termos de jogadores e dólares, e você tem muitas empresas de capital aberto que estão no setor que têm que mostrar crescimento aos seus investidores, o lado do negócio que depois é cobrado é o lado dos custos. Porque se você não vai aumentar o lado da receita, então o lado do custo se torna desafiador.
Você não pode ter sucesso a menos que atraia clientes de outras editoras e outras plataformas. E como você não está encontrando novos clientes com os jogos que está desenvolvendo, todo mundo está meio que brigando pelo bolo do mesmo tamanho. Considere dois anos de falta de crescimento na indústria de jogos AAA. Você começa a se perguntar: Bem, eu não quero crescer às custas da indústria, eu quero crescer como parte da indústria, e o que precisamos fazer como indústria para voltar ao caminho do crescimento?”
Vemos também que o mercado de hardware vem regredindo em números com o passar dos anos. Além de uma considerável parcela de jogadores estarem migrando para a praticidade do PC, em especial o público mais jovem, há também uma enorme fatia do bolo que são os jogadores que ainda não migraram para a atual geração pois, além do custo considerável, eles ainda se sentem confortáveis jogando os jogos que são predominantes na indústria e que ainda entregam suporte contínuo aos consoles antigos. Jogos como Fortnite, Call of Duty: Warzone, Minecraft, Roblox, EA Sports FC, NBA, Dead by Daylight, Rainbow Six Siege, Rocket League e claro, GTA V são tidos como fenômenos de público e com enorme retenção de jogadores tem o PlayStation 4 e o Xbox One como a sua maior base de usuários ativos, além do PC. Toda essa comodidade e praticidade acabam minando o interesse da maior parcela de jogadores em trocar de console, uma vez que ele já entrega tudo o que ele deseja.
Pensando nisso, as empresas deveriam oferecer mais atrativos para esses jogadores e assim tem sido feito. Jogos exclusivos de nova geração, retrocompatibilidade com melhorias aos jogos rodando em novas plataformas, SSDs mais velozes e maior integração com redes sociais. Mas muito disso aparenta não estar funcionando da forma como deveria, e é preciso lembrar que essa geração atual foi lançada em meio a uma pandemia, dificultando a migração e atrapalhando o desenvolvimento de diversos jogos em seu início.
Mas aonde eu quero chegar citando tudo isso? Nesse meio tempo, a Microsoft investiu pesado em sua divisão de jogos, desembolsando cerca de 80 milhões comprando Bethesda e Activision. Ambas com o mesmo intuito: fortalecer o seu portfólio de jogos e ter mais estúdios de peso abastecendo o foco central da sua estratégia, o Game Pass. Com o objetivo de alavancar o numero de assinantes ativos, fornecendo um abastecimento constante de grandes títulos.
O objetivo acabou não ocorrendo de forma tão rápida como eles imaginaram e, muito por conta do longo imbroglio judicial que enfrentou até que a compra da Activision fosse aprovada, acabou que obrigando eles por alternarem alguma de suas ideias em prol de uma saúde financeira e a obrigação de recuperar o dinheiro investido nesses estúdios e começar, enfim, a lucrar de fato.
Uma vez que a Microsoft absorveu duas das maiores publicadoras do mercado, transformou ela na maior deles. Em um entendimento lógico, ela se tornou tão grande que somente abastecer a sua base fixa de usuários não iria sustentar as finanças. Ainda mais se lembrarmos que a estratégia central do Game Pass é oferecer jogos em seu lançamento diretamente no catálogo, sem nenhum custo adicional, é um tanto óbvio que uma oferta tão tentadora iria inevitavelmente prejudicar a venda desses softwares. Somente esse fato já torna quase impensável que um jogo caro para ser produzido e do tamanho de um Call of Duty tenha sido sequer cotado para ser exclusivo. Nem mesmo o Minecraft foi e na época sequer era cogitado a existência de algo similar ao Game Pass.
Um outro ponto que devemos levar em consideração é que a maior parcela de assinantes do serviço são de usuários dos consoles. A Microsoft até ampliou a lista de periféricos que contam com suporte ao serviço como o próprio PC, smartphones, TVs Samsung e, mais recentemente, o FireTV da Amazon. Mas a grande concentração de assinantes se encontra no console Xbox, mesmo presente no PC e com valor de assinatura menor o Game Pass tem tido dificuldade de atrair os jogadores da plataforma. E talvez o motivo seja a falta de compatibilidade com a Steam e a má performance de seu aplicativo no Windows, mas isso é assunto para outro dia.
Tendo em mente que o Game Pass já tenha atingido o seu máximo nos consoles, a falta de maior atratividade aos usuários de PC e o alto custo de manutenção e engajamento com a nuvem, o Xbox se vê entrelaçado em suas próprias pernas. Eles expandiram demais em um curto espaço de tempo e precisa se modificar para sustentar essa nova forma.
E é aqui que entra a nova estratégia. Uma vez que você se vê maior do que a própria praça, sendo a maior publisher do mercado – inclusive, a maior publisher no PlayStation – você precisa maximizar os seus ganhos. E o caminho que eu vejo sendo trilhado é um caminho um tanto similar ao do serviço Disney+.
Disney e Microsoft parecem estar, dentro do mesmo período, realizando as mesmas ações por caminhos diferentes. A casa do Mickey tem investido bilhões para aumentar o seu catálogo de propriedades e agora, mais do que nunca, maximizar o portfólio do seu serviço, comprando diversos estúdios e franquias consagradas. Aquisições que vão desde Marvel e Lucasfilm por 4 bilhões de dólares cada uma, até algo megalomaniaco como comprar a FOX por 71 bilhões. Conseguem notar uma certa semelhança?
Com o mercado de streaming em alta, praticamente criado e pavimentado pela Netflix – a líder desse mercado – levantou o interesse de todas as grandes distribuidoras de filmes, que buscam uma fatia nesse mercado imenso.
Mas diferentemente da Netflix, a Disney desistiu da idéia de lançar seus filmes somente no streaming ou em lançamento simultâneo com o cinema – o que eles fizeram durante a pandemia e tiveram grandes prejuízos – pois o custo de suas produções são altíssimos.
O caminho que eu vejo similar com o Game Pass é a ordem de preferência e lançamento. Enquanto a Disney opta por lançar primeiro no cinema e arrecadar todo o lucro possível em um mês para só depois chegar ao catálogo de seu serviço o Xbox aparenta trilhar o caminho reverso, lançando em seu serviço, atrair assinantes, priorizar a sua base e depois de alguns meses (ou até simultaneamente, como o Call of Duty) ser lançados como novidade em outras plataformas para conseguirem maximizar os lucros e cobrir os prejuízos do custo de produção, financiando futuros jogos e mantendo a engrenagem girando.
O que devemos esperar sobre o futuro do Xbox e seus jogos?
E mesmo que eu entenda que isso possa fazer algum sentido no ponto de vista financeiro, não posso dizer que eu estou totalmente de apoio. Como um fã da marca, eu temo pelo futuro da plataforma. Medo que o Game Pass se torne a “plataforma” principal da Microsoft, abandonando de vez o hardware e focando, assim como já faz no PC, somente em software e serviços. E tento sempre me manter o mais racional quanto a isso, mesmo quando o lado passional esteja bem confuso.
Através do X (Twitter) o Xbox afirmou que o Xbox Game Pass não chegará a nenhum outro console que não seja um Xbox ou PC. Enquanto Phil, em entrevista a IGN, disse que veremos mais jogos dos estúdios Xbox em outras plataformas.
O que me parece claro é que o Xbox (console) vai ter como um fator decisivo de compra ou escolha do usuário o Game Pass, a acessibilidade em receber um jogo “de graça” no primeiro dia, os seus recursos, biblioteca e preferência. Mas não posso descartar a insatisfação de quem se vê contra esses movimentos. Afinal, “qual vai ser o motivo para comprar um Xbox?” uma vez que essa troca não está acontecendo dos outros lados, mas apenas o Xbox cedendo.
Talvez ainda seja cedo, mas a indústria está de fato mudando e presenciar os primeiros passos sempre causará estranheza. Em 2016 o Xbox decidiu por lançar simultaneamente os seus jogos no Windows, o que foi tido com enorme rejeição na época. Hoje vemos a PlayStation rompendo essa primeira barragem, com dezena de jogos lançados no PC e planejamento de lançamento simultaneo futuramente. E inclusive, irão até mesmo lançar o novo LEGO Horizon no Nintendo Switch.
A presidente Sarah Bond afirmou que o Xbox possui planos para continuar no mercado de hardwares para os próximos anos, existe também o rumor sobre um console portátil e um dispositivo focado em nuvem. Mesmo que essas coisas me tranquilizem parcialmente, o mercado é volátil e muda constantemente, se para eles for mais viável focar apenas em software e serviços eles irão optar por isso. Independente do barulho que eu, você ou toda a comunidade faça. Somos apenas um número para eles.
Mantenho a racionalidade e tento ver tudo com um pouco de otimismo lógico. Mantendo a esperança de que eles não joguem tudo para o ar. Ver jogos da Bethesda ou Activision irem para outros lugares não irá ferir ninguém, eles sempre estiveram lá, contanto que não abandonem o compromisso com o Game Pass. A preocupação irá tomar contar de mim quando ver jogos como Halo ou Gears – títulos com o DNA da marca – sendo descartados em prol de bolsos cheios dos investidores. Lembrando que quando houve toda a turbulência do anúncio conturbado do Xbox One, a desconfiança pertinente sobre eles, a perseguição midiática por anos e quando nem mesmo internamente não se sabia se havia sentido continuar, quem segurou e suportou tudo até que o cenário tivesse uma virada de chave foi o maior exclusivo que do Xbox: seus fãs.
Não nos desrespeitem.