Tem legenda no jogo?
Quem nunca se deparou com essa pergunta nos comentários de alguma notícia de games, não é mesmo? Amado por uns e ignorado por outros, o fato é que a legenda, tecnicamente chamada de “Localização“, vem ganhando cada vez mais atenção por parte das desenvolvedoras/publishers, seja para atingir um público maior ou um mero mimo para os fãs leais. Tradutor de jogos
Além disso, sem essa evolução e investimento com legenda nos jogos (localização) alguns games chegariam ao público apenas com seu idioma original. Já pensou pegar um RPG criado e desenvolvido na língua japonesa, por exemplo? O quão difícil (ou impossível) seria para entender a história ou uma simples explicação de missão?
É por essas e outras que decidimos expor para vocês tudo que rola nos bastidores desse maravilhoso trabalho de um tradutor/localizador de jogos. E para explicar esse mundo para vocês, entrevistamos Alexandre Pamplona, freelancer especializado na localização de jogos. Confira a seguir esse bate papo descontraído sobre o assunto!
Como você entrou nesse mundo da localização de jogos?
Cara, a minha história não é padrão (risos). Eu não tenho estudo formal na área, já fui professor de inglês, tenho diploma de inglês, mas é como eu te falei, ter um diploma de inglês e saber inglês não é o suficiente. No meu caso, tive muita sorte porque foi frequentando um boteco (risos), na época eu era arquiteto, que eu reencontrei uma amiga minha (DJ nesse lugar). Durante um daqueles papos de boteco sobre as mazelas da vida adulta e rumos de carreiras eu disse que estava infeliz como arquiteto e ela contou que estava trabalhando com tradução, jogando uma ideia de trabalharmos juntos. Eu não botei fé, mas no dia seguinte ela me mandou um teste (risos). Mas assim, essa é uma história meio afortunada, pois eu não tenho uma formação na área de tradução, como letras, que é algo que abre portas e é bem importante. Eu me considero bem afortunado porque o padrão do mercado é gente com formação, seja graduação ou uma pós, ou seja, frequentem bar! (risos).
Você começou trabalhando com jogos?
O meu primeiro trabalho foi um jogo. Foi um jogo de celular que tinha, sei lá, 45 palavras no máximo. Bem bobinho. Até virou uma piada interna com a minha agente. Era um jogo sobre abelhas e então qualquer trabalho pequeno a gente fala que é “abelhinha” (risos). Eu comecei com jogos mas, na época, tudo que tinha para fazer eles me mandavam.
Como é trabalhar com localização de jogos?
Assim como eu fui afortunado em trabalhar com tradução em geral, eu também fui um pouco para trabalhar com localização de jogos. Eu comecei trabalhando com uma agência específica, que foi a que me ensinou o caminho das pedras, depois fui trabalhando com outras agências e pegando outros trabalhos. Só que calhou de eu ter uma afinidade natural para traduzir conteúdo de jogos, sabe? Traduzir história, traduzir termos específicos, nomes de itens e até o marketing deles. De todos os conteúdos que eles disponibilizavam, eu tinha mais afinidade com a parte dos jogos e eles perceberam isso e foram me direcionando para esse material. O que é uma grande ironia, porque eu sou um cara que não joga muito (risos). Jogo pouca coisa. Jogo uns MMORPGs de vez em quando, mas não sou muito ligado nisso. O que é engraçado, porque eu traduzo muitos jogos massa (sic) que os meus amigos jogam e curtem (risos).
Tem algum projeto que você tem orgulho de ter feito?
Tem, tem alguns sim. Tem alguns que eu tenho vergonha também (risos). O meu preferido, de todos, é o Gunvolt (Azure Striker Gunvolt). É uma série baseada nos jogos do Mega Man, tanto nas artes quanto na mecânica de jogo em si. Eu tenho um orgulho especial dele e ele foi um dos poucos jogos em que eu recebi mensagem de jogadores que gostaram, tanto do jogo quanto do trabalho feito na localização. Também é um dos poucos jogos que tem meu nome nos créditos (da minha agente também), porque geralmente só tem o nome da agência responsável e tal. Eu e a minha agente até brincamos que esse é o nosso filho. Eu fiz todos os Gunvolts e é um jogo bem legal, porque ele atende um público meio carente de Mega Man. Eu gosto muito da arte dele, da história, que é bem japonesa com aqueles clichês. Aliás, tem um personagem baseado em mim no primeiro (risos).
Alguns jogos mais conhecidos que eu trabalhei foram: Criminal Case (facebook), Payday 2, Outward, Hand of Fate, Warspear e Azure Striker Gunvolt (todos).
Como é a sua rotina de trabalho?
Eu costumo acordar tarde, umas 10h da manhã, porque a maioria da carga de trabalho que eu faço são jogos pequenos e que vem da Ásia. Assim, por mais que seja legal trabalhar com os projetos grandes, com jogos conhecidos (AAA), o grosso dos meus trabalhos são jogos de celular e como a maioria vem da china e japão, então esse é o horário (fuso) que começam a chegar os trabalhos pelas agências. Às vezes eu tenho trabalhos que duram mais de um dia, tem os jogos grandes que levam meses de trabalho, ai tenho que remontar a rotina em volta deles. Nas condições normais de temperatura e pressão (risos), 11h eu começo a receber os alertas das agências com os trabalhos. Eu vejo a contagem de palavras, vejo o prazo e me organizo baseado nisso. Geralmente eu aceito todos porque a gente precisa viver, né (risos). Resumindo: começo as 11h e paro lá pelas 20h, isso quando não viro a madrugada, dependendo do prazo ou urgência.
Está trabalhando em algum projeto atualmente?
Em vários. A maioria dos projetos maiores a gente fica sob NDA (Acordo de Confidencialidade), então não posso citar quais (risos). Mas eu estou trabalhando em um bem grande e bem aguardado. Como eu sou freelancer, então a gente depende de um trabalho de qualidade da equipe inteira para se destacar e atrair mais propostas. Normalmente todo dia tem “abelhinhas”, então eu acabo trabalhando sempre em mais de um projeto ao mesmo tempo. Por exemplo, eu estou com esse projeto grande que começou há alguns meses (e ainda vai levar alguns meses) e estava fazendo até agora há pouco um outro, que já está me tomando uma semana. Durante o dia vão entrando alguns outros pequenos que eu vou encaixando nos horários.
Localização está ganhando cada vez mais atenção por parte das desenvolvedoras/publishers. É um mercado muito concorrido?
Eu diria que, hoje em dia, todos os mercados estão afogados. Todos são concorridos. Quando uma desenvolvedora quer fazer localização, alguém vai fazer. Sempre vai ter alguém pra fazer. Agora sobre o mercado em si, eu diria que não só é bem concorrido como um pouco desleal também. Muito trabalho sem qualidade é feito por conta dessa concorrência, por conta da busca pelo menor preço, por diminuição de custo e afins. Sem contar as “indicações” e panelinhas. Então você acaba vendo algumas aberrações ai no mercado, como volta e meio surgem e viram memes (risos).
Falando em memes, hoje vemos muitos jogos com memes inseridos em diálogos ou no conteúdo em geral. O que você acha dessa prática?
Eu tenho uma opinião um pouco dividida sobre isso. No meu primeiro ano com tradução eu trabalhei no Criminal Case, um jogo do Facebook que fez bastante sucesso (e ainda faz). Eu lembro que tinha uma personagem, uma hacker, que em determinado momento falava que iria reclamar na rede social do mundo do jogo, não me recordo o nome agora, mas eu traduzi como “vou xingar muito no [nome da rede social deles]”. Fazendo alusão ao meme “vou xingar muito no twitter” (risos). Na época, o meu revisor curtiu bastante, pois teve um contexto bem encaixado. Essa foi a primeira vez que EU usei. Mas o que eu penso disso hoje é que o meme é um fenômeno global e bem rápido, então por isso boa parte deles faz um sucesso enorme e logo caem no esquecimento. Colocar meme em tradução é uma faca de dois gumes. Se usado com contexto, fica legal e chama a atenção, mas se for usado de qualquer jeito (colocar só por colocar) é um negócio que vai envelhecer muito mal e ficar estranho no jogo depois.
Existe alguns mitos/lendas sobre o processo de localização. Por exemplo, vocês ganham os jogos?
Alguns jogos menores são localizados após o lançamento. Então, às vezes, nós recebemos uma key, mas não é regra geral. Ainda que aconteça, é uma ou duas para uma equipe de pessoas, ou seja, não é um jogo pra cada um. Mas de novo, isso não é regra. Agora, em jogo maiores ou AAA, eles ainda estão em desenvolvimento, então não temos como receber uma cópia. O que recebemos para trabalhar é um monte de spoilers (risos), artes, textos, diagramas de diálogos, coisas assim. Isso é um mito.
Quando se fala em localização, a primeira coisa que vem na cabeça é dublagem. Você tem contato com essa área? Conhece o pessoal?
Conheço, mas não pessoalmente. Em alguns jogos grandes a gente acaba tendo a chance de interagir e acompanhar os grandes nomes da dublagem. Normalmente é via skype, porque cada um está em um canto do Brasil, né. O diretor de arte deles abre uma ligação e começa a trabalhar com o skype aberto, então todos podem ver o andamento do trabalho, as alterações que eles estão fazendo no nosso trabalho (risos).
Como se inicia no mercado de tradução/localização? Alguma dica?
Como eu falei antes, a minha história é um ponto fora da curva, nada ortodoxo, então não me usem como exemplo (risos). Agora no geral, o que eu vejo é bastante gente entrando em contato com as agências mesmo. Assim, se você tem formação/está se formando na área (letras, por exemplo), vai acabar criando uma rede de contatos naturalmente como parte do processo de aprendizado. Tem bastante gente que vem e me pede para fazer indicação porque quer entrar nesse ramo. Só que, como freelancer, eu tenho pouca autoridade e peso para fazer uma indicação. O ideal mesmo é que a pessoa vá atrás das agências menores, que vão estar mais dispostas a enviar um teste e trabalhar com gente nova. Não é nada super secreto, não, basta uma pesquisada no google/rede social e você encontra os contatos. Sobre dicas, eu diria que tem que saber inglês, obviamente, mas tem que saber muito mais o português. Traduzir qualquer um traduz hoje em dia, mas traduzir certo, isso é o que diferencia. Isso é o essencial.
Alexandre, agradeço o seu tempo, foi show bater um papo com você e aprender mais sobre esse ramo, curti muito! Muito obrigado mesmo e até!
E ai, curtiram? Digam o que acharam desse bate papo ai nos comentários. Se tiverem alguma pergunta também, manda ver que esclarecemos!